Pensei que fosse um galope, um sonho de-à-trote
Acariciando de toda esta milonga sem rima
Que enrodilhada nas crinas, rejeita tudo que dobra
Podia ser de-à-cavalo, este entono de galo
Este manejo de freio, este olhar de posseiro
Que amadrinhado nos tentos, estima o suor que lhe sobra
Pensei que fôssemos cúmplices, múltiplos, meigos
Mansos, soltos, vagos, cabeça de gado
Potro e rodeio, na leva dos arremates
Pensei que fôssemos caça, várzea, rio cheio
Campo, quebranto, blanco, chimango
Peão e chibeiro, no aparte do buenas tardes
Ai! Milonga
Milonga buena!
Podia haver mais um catre, uma rodada de mate
Uma noitada, um afeto, um bem-me-quer descoberto
Uma qualquer novidade, alheia à nossa vontade
Podia haver mais que terra, pouca miséria
Junta, carreta, soga e soiteira, canga e arado
Benfeitoria e machado
Pensei que fôssemos fruto, suco, bagaço
Lenha, coivara, verde, queimada
Na alienação das porteiras do mata-burro a estrada!
Pensei que fôssemos bando, nômades, músicos
Mouros e manos, fulanos e sicranos
Sábios paisanos no despertar da manada!
Ai! Milonga
Milonga buena!
Talvez me faça costado outra milonga ou gateado
Outra figueira, outra sombra, outra paixão sem delongas
Outra carícia antiga, mimosa como a saudade
Talvez nem seja preciso usar o mesmo alarido
Do quero-quero teatino, do boitátá de mangueira
Pra afugentar as ovelhas arrebanhadas pro gasto!
Preciso acostumar meu dom, aperfeiçoar a voz
Fortalecer o rebanho
Ah! Que tolice a minha
Fazendo a minha vidinha ensimesmado de abraços!
Preciso amamentar a fome tôda dos guachos
Regar a sede dos pastos, dar pérolas aos porcos
Fazer tudo que gosto, pra dar por fim ao passo!
Ai! Milonga
Milonga buena!